Não é uma tarefa simples relembrar em que momento político começamos a utilizar a combinação das palavras “reforma” e “política” para expressar uma expectativa de mudança nas instituições representativas brasileiras. Nossa impressão é que a expressão começou a ser empregada com mais frequência a partir do começo dos anos 1990. Em larga medida, por conta das discussões que antecederam o plebiscito de abril de 1993, quando os eleitores foram consultados a respeito da forma de governo (república e monarquia) e regime de governo (presidencialismo ou parlamentarismo)[1] Lembram? O argumento em defesa de uma reforma política, surgido naquele contexto, era muito simples: qualquer mudança no sistema de governo exigiria uma profunda mudança nas instituições eleitorais e nas regras de organização dos partidos políticos e ou das eleições. Mas, de lá pra cá, o que observamos é que, o que de fato ocorreu, foi que, diferentemente de um planejamento legislativo geral e profundo, passou o Poder Legislativo Brasileiro a criar leis específicas para cada pleito eleitoral, o que, longe de dúvidas, coloca em risco a segurança jurídica e traz surpresa a cada nova eleição. Mesmo diante do fato de que, a própria Constituição Federal, desde 1988, já garantiu a estabilidade e regularidade eleitoral, ao estabelecer o princípio da anualidade eleitoral em seu artigo 16[2].
Nesse conceito de seguridade eleitoral, surgiu a Lei 9504/97, a famosa “Lei Geral das Eleições”, que por mais que tenha tentado se tornar um regramento estável e definido para os pleitos eleitorais, na verdade não conseguiu até hoje satisfazer o ânimo produtivo parlamentar brasileiro, o qual trabalha de forma acelerada em uma crença errônea de que uma nova lei possa, pura e simplesmente, resolver todos os problemas. E com a questão eleitoral o afã legislativo não seria diferente. A Lei das Eleições, assim como outros diplomas eleitorais praticamente, a cada ano anterior ao pleito eleitoral, sofre modificação em pontos sensíveis, sempre “ao toque de caixa”, de forma corrida, justamente para vigorar nas próximas eleições.
Mesmo como técnico jurídico, engrosso a opinião geral da sociedade, crendo que o excesso de modificações legislativas no âmbito eleitoral, apenas servem para promover mais descrédito nas instituições eleitorais, ao passo que igualmente favorece apenas a quem está no poder e com facilidade se adaptam às novas regras. E aqui concordamos com o grande amigo e Professor Jarbas Magalhães que em recente e brilhante artigo produzido sobre o tema, expressou: “Chega de tanta lei que altera o processo eleitoral no prazo limite.” [3]
Pois bem. Feito essa importante introdução para entendermos a temática, é fato que, seguindo a tradição das mudanças das regras eleitorais feitas em regime de urgência, em 29 de setembro de 2015, em Edição Extra do Diário Oficial da União, ao crepúsculo daquele dia, foi publicada a Sanção Presidencial da nova “reforma política”, desta vez trazida pela Lei 13.165/2015, modificando a Lei geral das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos (9.096/95) e o Código Eleitoral (4.737/65), sendo esta uma das muitas preposições que buscam tratar da reforma política em trâmite do Congresso. E tal medida se deu justamente porque, nas Eleições de 2016, quando se disputará vagas para câmaras e prefeituras municipais, ocorrerão em 02 de outubro de 2016, ou seja, às vésperas do prazo limite para vigorar no próximo pleito. Estando em pleno vigor a nova Lei, e então o que trouxe de novidade para as regras do próximo ano?
Dentre as principais novidades a reforma trouxe modificação sobre:
a) redução do prazo de filiação partidária para concorrer às eleições, que antes era de até um ano, agora é de até seis meses antes das eleições. Ou seja, aqueles que pretendam concorrer ao pleito, poderão se filiar a um partido político até o dia 02 de abril de 2016, vez que o pleito será em 02 de outubro do mesmo ano. Manteve-se o prazo de um ano de antecedência ao pleito para mudança do domicílio eleitoral;
b) criação de janela de migração partidária, para o caso de vereadores em exercício de mandato, que desejem trocar de partido político sem risco de sofrer ação visando a perda do mandato por infidelidade partidária. A nova regra permite a mudança de partido, sem qualquer ônus e sem justa causa, nos trinta dias que antecedem o prazo de filiação, ou seja, no período compreendido entre 01 de março a 1º de abril de 2016.
c) fidelidade partidária, instituto regulamentado pela nova Lei, que antes apenas tratado por uma Resolução do TSE, considera como justa causa para que o parlamentar mude de partido sem perigo de perder o mandato apenas as hipóteses de: i) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, ii) grave discriminação política pessoal, e iii) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente (janela de migração). Observem-se que, a Lei, diferentemente do dizia a Resolução do TSE, não considera justa causa a mudança de partido pelo parlamentar para um partido recém criado, fundido ou incorporado a outro. Prevalecendo agora para a questão o texto da lei e não mais o da Resolução, ante ao princípio da hierarquia das leis.
d) duração do período de campanha eleitoral, em 2016, as convenções partidárias para a escolha dos candidatos serão realizadas, de 20 de julho até 5 de agosto, e a partir do dia 15 de agosto até o Pleito será o período de campanha eleitoral, com apenas 45 dias, ao invés de 90 dias como na regra anterior.
e) propaganda eleitoral, liberada a partir de 15 de agosto do ano da eleição, vedando-se às emissoras de transmitir programa apresentado ou comentado por quem venha a ser candidato, desde 30 de junho do ano da eleição, e a propaganda eleitoral gratuita na televisão e no rádio ocorrerá apenas nos 35 dias anteriores à antevéspera das eleições, com redução considerável e redistribuição do tempo de cada inserção. Para configuração de propaganda eleitoral antecipada, necessariamente há de ocorrer, antes do período definido para propaganda, pedido explicito de voto e não mais apenas a mensagem subliminar como se entendia anteriormente, não configurando, propaganda antecipada a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, assim como os atos de realização de prévias partidárias, distribuição de material informativo, realização de debates entre pré-candidatos, reuniões de iniciativa da sociedade civil, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação, inclusive internet, desde que não envolvam pedido explicito de voto. Também foi reduzido o tamanho máximo de cartazes e pinturas em muros para 0,5m² (meio metro quadrado), que apenas poderão ser fixados em bens particulares.
f) número de candidatos a vereador, para as eleições proporcionais, nos municípios com mais de cem mil eleitores, os partidos ou coligações poderão ter uma legenda com até 150% (cento e cinquenta por cento) do número de lugares a preencher. A novidade é que essa regra geral muda para os municípios com menos de cem mil eleitores, pois nesse caso os partidos poderão registrar até 150% (cento e cinquenta por cento) enquanto as coligações poderão registrar candidatos até 200% (duzentos por cento) do número de lugares a preencher. Outro ponto interessante é que as vagas remanescentes poderão ser preenchidas até trinta dias antes do pleito.
g) cassação de mandato de prefeito eleito, novas eleições é sempre a regra, pois pelo novo texto, a decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do número de votos anulados.
h) fixação de teto para gastos de campanha: a) Para presidente, governador e prefeito: I. Se na eleição anterior houve apenas um turno, o teto será de 70% do maior gasto declarado para o cargo, na circunscrição eleitoral. II. Se tiver havido dois turnos, o limite será de 50% do maior gasto declarado para o cargo, na circunscrição eleitoral. III. Para segundo turno, o limite de gastos será de 30% do gasto efetuado no 1° turno. b) para senador, vereador, deputado estadual e distrital, e deputado federal: Limite de 70% do maior gasto contratado na eleição anterior, na circunscrição para o respectivo cargo.
i) quociente eleitoral novo cálculo/regra, para as eleições proporcionais houve modificação na forma de calcular o quociente eleitoral (proporcionalidade de votos dados a partidos e coligações por vaga disputada), principalmente com respeito à sobra das vagas a serem preenchidas nas câmaras, criando-se um patamar mínimo de votos para que considere a eleição do candidato. Tudo para evitar que um candidato com inexpressivos votos seja eleito por conta da legenda ou de Enéias e Tirirícas da vida.
j) prestação de contas de campanha, ocorreu profundas modificações no que diz respeito à prestação das contas, bem assim entendimento idêntico ao da Lei de Ficha Limpa, com respeito a necessidade da caracterização do dolo, para apontar responsabilidade dos candidatos e seus representantes.
Ainda, com a sanção, foram vetados alguns itens do texto original da lei aprovada no congresso, dentre eles, a previsão de obrigatoriedade de impressão de votos e a permissão de doação por pessoas jurídicas (empresas) a campanhas eleitorais. Os vetos estão sob a análise do Congresso, sendo a este possível a cassação ou manutenção dos vetos.
Sobre a possível inconstitucionalidade da nova Lei, entendemos que apenas o Supremo Tribunal Federal – STF, pode em sede de uma ação própria (Adin – ação direta de inconstitucionalidade), posicionar-se a esse respeito. Contudo, essa possibilidade nos parece distante, pois em uma análise prévia, não houveram vícios de natureza formal nos processos legislativos nas duas Casas do Parlamento, além do que, a Lei nasceu com presunção de constitucionalidade e aqueles que, confiando nessa presunção, deixaram para se filiar em partidos políticos apenas em março de 2016, por exemplo, não podem ser prejudicados com uma declaração de inconstitucionalidade do prazo mínimo fixado para a filiação, pois uma futura decisão nesse sentido, não se poderia retroagir a dois de outubro de 2015, como exigia a antiga norma, para garantir a filiação partidária de pretensos candidatos. Assim, ainda na possibilidade remota de declaração de inconstitucionalidade, ante ao princípio da anualidade eleitoral, apenas poderia ter efeito para o pleito de 2018.
Em conclusão, podemos afirmar que não nos parece salutar o excesso leis produzidas pelo Congresso nacional sobre o processo eleitoral, pois coloca em cheque a segurança jurídica sobre a matéria, ainda mais, como se tornou um costume torto de nosso Parlamento, ás vésperas do prazo final para vigorar na eleição seguinte. Também acreditamos que, a redução do tempo de campanha e a restrições de financiamento apenas facilita a vida de candidatos que já estão no jogo do poder, fragilizando a democracia e a liberdade, que é a natureza das eleições. Mas persistimos em acreditar que, inobstante as leis, a Democracia, se conquista com atos de coragem, respeito e cidadania. Roguemos por um futuro processo político eleitoral onde pessoas valam mais que os resultados dos pleitos.
Por Antonio Pitanga Nogueira Neto,
Advogado, Especialista em Direito Eleitoral e Gestão Pública Municipal,
Sócio da Alves e Nogueira Advogados Associados.
[1] Jairo Nicolau – Reforma Eleitoral No Brasil: Impressões Sobre Duas Décadas De Debate. Disponível em: http://ifch.ufpa.br/REFORMA%20ELEITORAL%20NO%20BRASIL%20-%20JAIRO%20NICOLAU.
[2] “Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até a data de sua vigência.”
[3] Jarbas Magalhães – Bahia Noticias/Justiça/ disponível em: http://www.bahianoticias.com.br/justica/artigo/464-reducao-do-prazo-de-filiacao-janela-partidaria-e-outras-reflexoes-sobre-a-lei-131652015.html