Sede do Museu das Cadeiras Brasileiras (Muca), a cidade de Belmonte, deve inaugurar em dezembro – mais tardar início de 2021 – o Museu Zanine Caldas, consolidando-se de vez como a “casa do design no Brasil”. Trata-se de uma homenagem a um de seus mais ilustres filhos, o arquiteto, maquetista, moveleiro, paisagista, escultor, artista cerâmico e professor José Zanine Caldas (1919-2001), considerado pelos especialistas um dos principais designers do século XX.
De acordo com o secretário de Cultura e Turismo do município, Herculano Assis, o plano é trabalhar o desenvolvimento turístico local “pautado na revitalização pedagógica, na história e culturas” da região. O equipamento vai contar com duas salas memorialistas instaladas na casa em que Zanine nasceu. Na outra parte do imóvel [preservado] funciona o sindicato patronal dos trabalhadores rurais de Belmonte.
As obras do prédio estão em andamento. O reconhecimento é uma iniciativa da família dele, e conta com várias parcerias, em especial da prefeitura municipal e da empresa Katz Engenharia. O Museu Zanine Caldas ficará vizinho ao Muca, inaugurado em dezembro de 2018, tendo à frente o filho Zanini de Zanine, um dos mais prestigiados designers-artistas da atualidade e responsável pelo “resgate” do legado do pai.
O Muca conta com um acervo com mais de 60 cadeiras assinadas por, além de Zanine, claro, nomes como Irmãos Campana, Aida Boal (1930-2016), Joaquim Tenreiro (1906-1992), Carol Gay, Estevão Toledo. Etel Carmona, Gustavo Bittencourt, Lina Bo Bardi (1914-1992), Sérgio Rodrigues (1927-2014), mas também artesãos locais, como dona Dagmar, nos seus mais de 70 anos, autora da cadeira “pote” [de barro].
A convite de Zanini, a seleção das peças da mostra é de Christian Larsen, curador do The Metropolitan Museum of Art (MET) de Nova York, professor doutor especialista no design brasileiro, 20 anos de experiência. “Eu sempre conheci o trabalho de Zanini e o do pai dele. Zanine Caldas é um dos designers mestres do século XX, não só do Brasil, mas mundial. Uma figura muito grande no movimento do design local, sustentável, verde”, diz Larsen. “Um dos pioneiros. Na década de 1960 fazia peças, móveis de madeira maciça jogadas fora pela indústria madeireira. Eu tenho muito respeito pelo trabalho dele, sempre amei designers que partem de um processo local, que nasce da terra”.
‘Um visionário’
“Zanine entra no momento agora de muito prestígio. Se não era muito conhecido antes, apesar de ter exposto no Louvre [maior museu de arte do mundo, na França], começa a ser reconhecido. E ao lado de Niemeyer, Lina Bo Bardi, Sérgio Rodrigues, Zanine era o mais brasileiro de todos. Um bicho da mata”. Contemporâneo de Zanini de Zanine, o designer paulista Estevão Toledo, 43 anos, conta que foi muita “generosidade” ter sido chamado a participar da exposição. “O Zanini trabalha bem forte com madeira, vertente que veio do pai, assim como eu também trabalho, mas com linhas diferentes”, conta.
É dele a cadeira “Flórida”, maciça e sem braço, composta de palha, produzida com uma pegada mais “comercial” – em larga escala –, mas “ligada à alma”. Para Toledo, Zanine era um “monstro”. “Um ET (extraterrestre), visionário, com uma cabeça muito diferente, ao mesmo tempo em que enxergava a vida com uma simplicidade espantosa. Andava com sementes de árvores no bolso para sair por aí plantando, pensando no futuro”, fala.
“Era maquetista, mas capaz de projetar contenções de encostas feitas de madeira, em um nível de ousadia e inteligência absurdos, e construiu casas reverenciadas em bairros [falésias] do Rio de Janeiro, como na Praia da Joatinga, e no Joá”.
Filho “ilustre” da Bahia, Zanine Caldas ganhou título da França
Considerado um capítulo da arquitetura e do mobiliário brasileiro, conhecido como o “mestre da madeira”, causava polêmica o fato de Zanine Caldas ser autodidata – ou seja, não possuir formação superior. Foi preciso o governo francês reconhecer, no final dos anos 1980, o talento de Zanine e conceder-lhe o título. Ele passou então a lecionar na escola de arquitetura de Grenoble.
“Deixou um legado de relação muito forte com a Bahia. Por exemplo, ajudou a construir a residência do artista Franz Krajcberg, em Nova Viçosa. Ao passo que desenvolveu mobiliário, fez casas maravilhosas que nuca se impunham diante da natureza, mas dialogavam com o local. Era um craque”, conta o executivo da área de patrimônio histórico e franqueado da marca CasaCor Bahia Carlos Amorim.
“A iniciativa [do museu em sua homenagem] consolida Belmonte como um polo que atrai turistas, propondo um olhar mais cuidadoso com o patrimônio arquitetônico”, diz ele.
Cadeia da madeira
Com a Móveis Artísticos Z, Zanine conquistou a classe média brasileira em plena década de 1950, produzindo peças que alinhavam o artesanato tradicional brasileiro e o modernismo. Para a professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Akemi Tahara, esse reconhecimento serve, ao mesmo tempo, para “fazer notar outros artesãos brasileiros a partir de Zanine, como discutir a cadeia da madeira”, ainda hoje não bem regulamentada, ela frisa.
“Acho que a grande lição que ele deixa é acreditar no trabalho, fazer o que se ama, dar sempre o seu melhor, e tudo pode acontecer”, diz o designer Gustavo Bittencourt, 34, um dos expositores no Museu das Cadeiras.
Fonte: Jornal A Tarde