“Douta” era o maior larápio de galinhas dos anos cinqüenta, nestas terras de nossa Senhora do Carmo. Pense numa pessoa amiga!- usei expressão atual. Assim era Douta, amigo, prestador de serviços, serviçal atuante, respeitador e zeloso com o patrimônio alheio, mas não podia ver- nem ouvir cacarejar- uma galinha ou um bonito galo, à noite. Lá estava Douta, após ter ultrapassado as barreiras até chegar ao puleiro e com uma técnica desenvolvida ao longo dos anos, coçando os pés dos galináceos, hipnotizava-os e os guardava no saco de aniagem preso à sua cintura. Ao raiar do dia, quando o cheiro de café coado se esparramava pelas ruas, Douta já mercava seu produto furtado, com seu jeito manso e voz desconfiada: Olha a galinha gorda!
Há uma máxima, no jargão policial, que diz: Se não houvesse quem compre, não haveria roubos. Todavia, não faltava contraventor para comprar as “galinhas gordas” de Douta, mais baratas e, às vezes, já encomendadas por algumas senhoras donas de pensão ou por comedores de “galinha caipira”, alta madrugada.
A cleptomania de Douta era hilariante pelo fato de todos saberem de seu desvio comportamental, mas aceita por doutos da alta sociedade que se locupletavam com os “frutos comestíveis” do ilícito praticado. Médicos, advogados, funcionários públicos, coniventes e contumazes compradores.