data Categoria: Colunas |  data Postado por Anildo há 14 anos | Imprimir Imprimir
MON

Não me perguntem o porquê do apelido de Mon. Sempre me questionei se se tratava de monstro ou monsenhor, porém jamais obtive a resposta para a minha dúvida infantil. O fato é que Mon existia de verdade, em carne e osso, muito mais carne do que osso. Andar jocoso, parecia não suportar o peso mal distribuído dos seus quase cem quilos de feiúra. Silhueta inconfundível, sorriso banguela com um único dente canino à mostra, dava-lhe um aspecto monstruoso de olhar melancólico.
Apesar do aspecto dantesco, Mon era dócil e cortês com as famílias com as quais trabalhava. Seu labor diário era bater bomba de êmbolo para encher as caixas d’água, em dezenas de residências, naqueles tempos em que água encanada era privilégio de poucos. Conhecia, de perto, a culinária de famílias tradicionais, pela sua maratona que começava cedo. O desjejum, servido pelos Rocha, Monteiro, ou Lapa, o deixava pronto para “tocar” a bomba, fazendo subir e descer ritmadamente o dorso suado, acompanhando o movimento do braço da bomba. Paternostros, Guerrieris e Magnavitas eram responsáveis pelo lauto almoço que o deixava adormecido sob uma mangueira frondosa qualquer.
A noite chegava e ele se tornava convidado pelos Bandeiras, Melos ou Elias para aquela sopa reconfortante com duas bisnagas de pão – êta redundância… – da padaria de Mario Gama. Seu sono era entrecortado por sonhos e pesadelos com os “pestinhas” que o atormentavam pela sua dislexia, sua voz gutural e seu dente frontal cravado no maxilar, dando-lhe um aspecto grotesco. Vê-lo mastigar um naco de carne do mal assado, ao meio-dia era cômico e penoso, porque seu único dente responsável pela mastigação não correspondia à expectativa de sua gula.
Era prazeroso para Mon, pegar carona nos poucos veículos que circulavam em nossas ruas arenosas, pra servir de “tração”, com sua força bruta, quando dos atolamentos eventuais dos automóveis. Certo dia, a bordo do Jeep de Luiz Carneiro, Mon foi vítima em um acidente inusitado, em colisão frontal com a pickup Toyota de Ahiah, dirgida por Raimundo Gago, no cruzamento da J.J.Seabra com a Cel. José Gomes. Mon recebeu alguns agafes1 na cabeça, fez graça para Dr. Pinto e como já noite, lhe disse que ficaria para o jantar.
Os “pestinhas” da época, que o atormentavam, hoje senhores cinqüentões, o reverenciam pelo seu jeito manso de viver e desapareceu com a mesma dignidade que viveu entre nós, simples mortais.
1-agafes – pontos metálicos para suturar cortes profundos na pele.