A memória de um povo se acaba à medida que o folclore e a cultura sofrem influências de novas práticas renovando, assim, novos conceitos e fortalecendo novos valores. A ruptura com Mama África marcou profundamente a comunidade afro-descendente dos baianos periféricos, calando pra sempre os candomblés famosos, suas baianas rendadas, o cheiro forte da Alfazema, misturada ao cheiro da fumaça do querosene queimado nos candeeiros. Calou-se também, o som forte dos atabaques que anunciavam a chegada de “um santo forte” ou a Marujada de Martim Mangolá.
Emudeceram-se as toadas dos sambas-de-roda, a batida na palma da mão o ritmo marcante do prato de esmalte e a colher, a garrafa de pinga e o samba no pé empoeirado, de fazer inveja aos sambistas da Marquês de Sapucaí. Muita paquera, muitas histórias, um punhado de encontros e desencontros, mas sempre com um final feliz; aquela moqueca descansava sobre o fogão a lenha, esperando o dia raiar pra ser consumida com muita pimenta e arroz “unidos venceremos”.
Um dia um velho sábio pescador me contou um caso que começava assim:
Corre uma estória (ou história) sob os arvoredos de um bairro de Pescadores que uma linda nativa, concubina de um destemido pescador da cidade de Puxavante, resolve aceitar um triângulo amoroso com um Dom Juan desocupado que vivia assediando-a. Conquista sacramentada, vieram os encontros furtivos quando da ausência do marido traído e os conchavos e senhas combinados para se assegurar que a alcova “tava limpa” sem ameaça de flagra. A linda nativa não podia ver sua outra opção de desejo que cantarolava: “Tu foste louco, eu enlouqueci, a carne é fraca, eu enfraqueci”…Agora é tarde, o que vamos fazer?… No que o “Ricardão” de pronto respondia: Iansã, cadê Ogun?…. Ela sorridente, cheia de amor e felicidade, respondia: “Foi pro mar!…” A partir daí só Deus sabe o que acontecia sob as marolas do lençol de retalhos que cobria os ais e gemidos da sereia.