Como era épico subir o Jequitinhonha em tempos idos. A canoa a remo comandada pelo remador experiente e tracionada pelos fortes músculos de seu proeiro que andava das quatro da manhã às l8:00 brandindo sua vara de birindiba, colada à borda da canoa e escorada a seu peito calejado pela lida diária. As grandes canoas eram os veículos de conduzir mercadorias, rio acima e descer o Paticha – denominação indígena do Jequitinhonha – transportando o cacau, riqueza de sustentação regional. As robustas canoas, originadas de frondosos ipês da secular Mata Atlântica, ostentavam uma cobertura feita de brotos do limoeiro e coberta por encerado locomotivo, a quem todos chamavam de “ boi “ e que servia para abrigar as pessoas do sol e da chuva e local do merecido descanso do labor diário quando do pernoite numa praia segura. A parte traseira da embarcação recebia uma trempe rústica para cozinhar feijão com carne seca e toucinho em panela de barro, que fervia espalhando o odor agradável da feijoada feita no fogão de lenha, com toras de fruta-de-pato, madeira de excelente fama na cozinha.
Mãos calejadas, aqueles remadores, não temiam as intempéries da natureza nem o Jequitinhonha “alagado” (cheio) ou totalmente seco impedindo a navegação franca, obrigando os valentes canoeiros a cavar o leito do rio para desencalhar suas canoas carregadas com mais de oitenta sacas de cacau. O dia-dia dos canoeiros era de muita luta.
Acordavam na fumaça do gongo – até hoje não encontrei um significado para essa expressão – e trabalhavam por longas horas sem direito a interrupção , senão quando o nordeste, vento que sopra do Atlântico, ajudava soprando a vela com mais de 20m2, fixada altaneira ao barrote de proa, presa à escota sob o comando do mestre remador.
As populações ribeirinhas do vale do Jequitinhonha não teriam sobrevivido sem o advento da canoa, numa região fluvial, sem rodovias e de muita riqueza. A canoa abastecia as fazendas até Cachoeirinha, conduzindo feijão, açúcar café, farinha, charque, querosene, remédios e pessoas, retornando, rio abaixo, sob o cântico sono e cadenciado da voga, trazendo o cacau acondicionado em sacas de quatro arrobas, porcos, galinhas, bananas, jacas, passageiros e os arrojados canoeiros que a cada curva do rio aumentava a saudade de sua família que os esperava no cais do porto.
No silencio da subida e na solidão da descida do Jequitinhonha os canoeiros aprendiam a respeitar a “mareta” (banzeiro ou marola), os tocos submersos , o cangurupim, os marimbondos de oco, o rebojo do Rio Grande e seus canais, alem de adquirirem conhecimento sobre cura com plantas e ervas, astronomia, liderança e relações humanas. Assim era a vida dos canoeiros.